Inventor, motard, engenheiro mecânico, marketeer e cronista, William Stout pontuou a sua (longa) vida com a autoria de dezenas de inventos e criações. Do seu interesse simultâneo por aeronáutica, automobilismo e motociclismo, nasceram inúmeros veículos de inabituais características e configurações: Enquanto funcionário da Scripps-Booth, assinou o "Rocket Car", de 1914; em 1931 criou o "Stout Skycar", capaz de voar; em 1934 concluiu a "Pullman Railplane" (automotora de grande performance); em 1939 concebeu um segundo "Skycar", integralmente metálico. Apesar do contributo dado ao mundo aeronáutico, a mais mediática criação de "Bill" Stout acabou por ser o "Scarab", o primeiro MPV a ser comercializado, agregando ao longo das suas três gerações um conjunto de princípios que viriam a influenciar a generalidade da indústria automóvel.William Stout nasceu em 1880 e faleceu em 1956. Passou os últimos anos de vida a analisar a morfologia de zangões (possuiam, segundo o próprio, um vôo mais eficaz do que qualquer aeronave).
II. Scarab mkI, mkII e mkIII
Dos esboços iniciais do primeiro dos "Scarabs" (Junho de 1932), ressaltavam à vista o uso de uma carroceria similar à do "Skycar", viabilizando um interior espaçoso, associada a um quatro cilindros de baixo peso e ao uso de alguns componentes da aeronáutica, tais como rodado ou cadeiras de avião. Um mês depois, o conceito parecia evoluir, concretizando-se a ideia de um monovolume com capacidade para seis passageiros, com uma capacidade de transporte de carga melhorada.
O primeiro "Scarab mkI" foi concluído em 1932, adquirindo estatuto de concept-car, não-comercializável. A sua execução obrigou William Stout a recorrer a alguns componentes Ford mais compatíveis, tais como jantes, pneumáticos, e motor (um V8 de maior peso, dimensão e performance), disposto em posição central.
O segundo "Scarab", o mais bem conseguido e representativo de todos os "Scarabs" (e aqui em destaque), foi apresentado em 1935. Mantendo-se fiel aos princípios de todas as criações de Stout - baixo peso, adopção de formas aerodinâmicas, alta performance e manutenção fácil, o "Stout Scarab II" passou a integrar um sistema de amortecimento totalmente independente, mais e melhor espaço interior, e uma configuração exterior de desenho refinado. Foram construidas 12 unidades, entre 1935 e 1936.
O terceiro e mais previsível "Scarab" foi revelado em 1945. Menos vistoso e muito mais caro, manteve a funcionalidade do seu antecessor, tendo-se conseguido uma importante redução de peso graças à utilização de uma carroceria em fibra de vidro e à intrudução de inúmeros componentes em plástico. O único protótipo feito ficou na posse do próprio William Stout, que o usou como carro de família até 1951, altura em que se reformou.
III. "Stout Scarab II"
O segundo e mais notável dos Scarabs correspondeu a um upgrade relativamente ao primeiro protótipo, de 1932. A carroceria passava a ser em aço, mais acessível enquanto matéria-prima e bastante mais resistente do que o alumínio utilizado na versão inicial. Motor (V8 Ford) e caixa de velocidades manual de três relações (de construção "caseira") mantiveram-se, ainda que o posicionamento da unidade motriz passasse a ser sobre o eixo traseiro. Da incrementada distância entre eixos (quase 3,5m), do reposicionamento do motor e do avanço do lugar do condutor, invulgarmente próximo do eixo dianteiro, obteve-se um interior espaçoso, no qual ressaltavam um banco traseiro, corrido, servido por uma mesa móvel, dois bancos para passageiros, móveis e reclináveis, e um banco para o condutor, fixo, passível de algumas regulações.
Foi, contudo, na ciclística que esta primeira sequela do "Scarab" mais evoluiu. Associadas ao chassis tubolar, eram agora propostas suspensões totalmente independentes: À frente, com braços inferiores e molas helicoidais; atrás, com semi-eixo com braços superiores e inferiores, e molas semi-elípticas (vulgo "swing-axle").
A pormenorização da carroceria do "Stout Scarab II" está atribuída a um designer francês de nome Gaston, contratado pelo próprio William Stout em setembro de 1934. Aquando da sua apresentação, o Scarab foi alvo de inúmeras críticas, que só viriam a desaparecer algumas décadas depois. As injustas apreciações a este invulgar conceito esconderam um virtuoso desenho art-déco de laivos futuristas, patente na estilização do escaravelho bosteiro (Scarabeus sacer, figura-chave da mitologia egípcia) - cuja utilização na grelha dianteira, nos tampões das rodas e na tampa do radiador, atrás, é marcante - , num interior sóbrio mas, ainda assim, ergonómico e requintado (os revestimentos são de apreciável qualidade, com destaque para o tejadilho em verga), e num painel de instrumentos funcional, de fácil leitura.
Pelo exterior eram igualmente marcantes as expressivas grelhagens (nomeadamente na parte traseira e ao nível das ópticas dianteiras), sublinhadas a cromado, e a colocação assimétrica e discutível das duas únicas portas existentes: Ao condutor correspondia uma entrada específica, no lado esquerdo, e para os restantes ocupantes era proposta uma porta de maiores dimensões, recuada.
Na prática era apenas críticável a inexistente visibiliade traseira, (a ausência de retrovisores sugeria um mero capricho de desenho), contrastando, aliás, com uma excelente visibilidade lateral e dianteira.
O desempenho dos "Scarab II" era, à semelhança das componentes estética e mecânica, irrepreensível. Os 95 cavalos do V8 Ford asseguravam boas prestações para um monovolume familiar (15 segundos nos 0-96kmh são valores muito acima da média para um veículo familiar, nos anos '30). Comportamento e conforto eram excepcionais, com elevada fiabilidade: O "Scarab II" de William Stout terá percorrido, sem problemas, mais de 140.000 kms.
Existem algumas diferenças entre o primeiro dos "Scarab II" e os restantes 11. A primeira unidade possuía uma grelhagem inferior, de grafismo horizontalizante, disposta a todo o comprimento nas laterais, posteriormente suprimida. O volante, que inicialmente apenas tinha um braço, passou a contar com três apoios.
Apesar da ausência de dados e de números oficiais, conhecem-se Scarabs de cor prata, azul-claro, ocre, branco e preto/antracite. Fica por explicar o porquê da alteração da configuração da admissão de ar para o motor, patente num exemplar de cor prata (ver imagem abaixo). Neste caso, em vez de uma grelhagem adossada à carroceria, sobressaem três elementos de configuração ovóide, de apreciável estranheza. Modificação posterior, ou optimização efectuada pelo próprio William Stout?
IV. Vendas e projecção
Permanece inexplicável o insucesso de todos os scarab, sejam eles de primeira, de segunda ou de terceira geração. Compreende-se que do "Scarab mk1", que não passou de um protótipo, não se esperasse muito. Mas relativamente às duas últimas propostas de William Stout, exigia-se, pelo menos, adequado reconhecimento. Só uma imprensa manifestamente retrógrada (eventualmente orientada por interesses de outros construtores) deixaria passar despercebido um veículo com este nível de genialidade. O próprio William Stout, que em 1913 chegara a director de publicidade e vendas na "McIntyre Motor Co.", parecia, 30 anos depois, despreocupado com a visibilidade da sua mais coerente criação.
Um vídeo da época acentua o carácter vanguardista do Scarab II...
Em 1935, e depois da publicação de um primeiro anúncio na "Fortune", em 1935, registavam-se zero interessados, apesar do que o próprio William Stout anunciara, àcerca dos inúmeros avanços tecnológicos que o Scarab agregava.
O facto do preço de venda ser elevado (5000 dólares, cerca do dobro de um Auburn Supercharged), quando comparado com outros veículos da época, foi uma das agravantes decisivas que em muito contribui para que não se vendessem mais de 10 exemplares. No total, entre 1935 e 1936, executaram-se somente 12 "Stout Scarab II", a maioria dos quais repousa agora em diversos museus automóveis.
V. Dados técnicos
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