I. Preston Thomas Tucker
Pai assumido da iniciativa "Tucker Torpedo", nasceu em 1903, em Ypsilanti, Michigan. Da sua colaboração com Henry Miller (Indycar) na década de'30, resultaria a obsessão pela performance e pela velocidade, cujo primeiro resultado palpável seria o blindado ligeiro "Combat Car", recusado pelo exército por ser demasiado rápido. Não obstante, a "Tucker Turret", rotativa, foi recorrentemente utilizada em veículos militares na segunda guerra mundial. Depois da aventura do Tucker '48 Sedan, o visionário Preston Thomas Tucker viria a falecer em 1956 no Brasil, vítima de doença de foro oncológico, enquanto preparava um novo e ambicioso projecto: o promissor desportivo low-cost "Carioca", que nunca conheceu a luz do dia.
II. Tucker Corporation
Motivados pelo vazio do pós-guerra e pelo "encorajamento industrial" veículado pelo governo, que pretendia rentabiliar o excesso de instalações industriais existentes à data, Preston Tucker e J. Kaiser decidiram criar uma marca e construir um automóvel.
A ambição de Preston Tucker relativamente à sua imagem de automóvel foi materializada, em tempo record, pelo reconhecido designer Alex Tremulis - ex-Cord/Auburn/Duesenberg - conseguindo-se um estilo futurista, aerodinâmico e funcionalista. Baixo, mas de interior espaçoso, o inicialmente baptizado Tucker Torpedo incluia uma imensidão de soluções ao nível dos interiores, das quais algumas foram, infelizmente, abandonadas. Foi desenvolvido um protótipo ("Tin Goose"), devidamente apresentado e publicitado nos media, ainda que associado a inúmeras deficiências que quase comprometeram a sua estreia.
Viabilizadas as instalações fabris, em Chicago, o Tucker '48 Sedan partiu para produção, já sob grande pressão da rica, mas empedernida concorrência. Seguiu-se uma batalha jurídica com o objectivo de ofuscar um dos melhores (se não o melhor) automóveis de produção em série alguma vez construídos.III. As inovações
O objetivo de Preston Tucker era o de conceber um veículo de raíz, com a melhor tecnologia possível. O projeto (em paralelo com o mais duradouro mas menos revolucionário caso da Studebaker), que se aproveitava do vazio gerado pelo pós-guerra, era inovador e agressivo, questionando e reformulando todos os elementos de um automóvel, do óbvio (motor, chassis, carroceria) ao mais ínfimo dos pormenores (manípulos, espelho retrovisor, travão de mão), em função da segurança e da performance. E perante a ausência de soluções existentes, Tucker não hesitava, corajosamente, em inventar.
Motor I (595 c.i.): inicialmente desenvolveu-se um motor de 9.650cc. De delirante concepção, era um seis cilindros "injectado", com câmaras de combustão hemisféricas e válvulas à cabeça. Dispensava o uso de árvore de cames, induzindo o funcionamento das válvulas através de pressão de óleo. Com um ralenti a 100rpm (!) e um espectro de rotação ideal compreendido entre as 250 e 2500rpm (!?), prometiam-se consumos otimizados, 150 cavalos e 600nm. Consequência de diversos problemas mecânicos, não registou mais de 88 cavalos.
Motor II (335 c.i.): a urgência de encontrar um coração adequado ao Tucker '48 foi resolvida de forma pouco ortodoxa, recorrendo-se a um motor de helicóptero. O ainda mais potente motor Franklin, de “apenas” 5.470cc., com seis cilindros, utilizado pela Bell e disponibilizando 168 cavalos, foi alterado ao nível da refrigeração, a ar, passando a trabalhar a água e a demonstrar infinita saúde mecânica. Conseguiu-se um motor extremamente fiável, passando com sucesso os exigentes testes de stress mecânico à data efectuados. Único senão: tendência para destruir transmissões, pela sua inabitual energia.
Transmissão: em associação ao motor de 9.650cc, eram propostos inovadores conversores de binário (um para cada roda), dispensando-se as convencionais transmissões por cardins. Depois do malogro mecânico do bloco inicial e da aposta feliz no motor Franklin, designado por “O-335”, optou-se pelo recurso à caixa manual de quatro velocidades que operava por electro vácuo (da Bendix), inicialmente implementada nos Cord 810 de tração dianteira, e aqui reforçada, já que a potência e o binário do motor Franklin eram bastante exigentes. Não tendo nunca o seu desempenho sido totalmente satisfatório, a ultra-simples transmissão “Y-1” ainda conheceu uma sucessora: a “Tuckermatic”, caixa automática de variação contínua, viria a verificar-se a mais fiável solução, sendo fruto da colaboração com Warner Rice, inventor da transmissão Buick Dynaflow. Houve três versões da “Tuckermatic”, designadas por “R-1”. “R-2” e “R-3”, tendo a terceira, passível de receber uma embraiagem centrífuga, sido a escolhida para equipar os Tucker.
Chassis: Foi criado o conceito de "safety frame", protegendo-se perimetralmente o habitáculo consubstanciando-se um incremento de segurança passiva. Neste enquadramento, foi preconizada uma rollbar no tejadilho.
A localização da caixa da direcção, à frente do eixo dianteiro, propiciava maior protecção ao condutor, mitigando riscos em caso de acidente frontal. A migração do depósito de combustível para a frente do veículo,sensivelmente a meio da produção, equilibrou a distribuição de pesos. Ao chassis principal estava ainda adossado um quadro secundário, no qual motor e caixa de velocidades estavam apoiados. Deste modo, conseguia-se remover facilmente parte ou a totalidade destes componentes para efeitos de manutenção, poupando-se tempo e recursos.
Carroceria: O "terceiro farol" é uma das mais visíveis medidas adoptadas em prol da segurança. A existência de três farois, dos quais um ou dois eram orientáveis, é constante nos esquissos de desenvolvimento do Tucker. No modelo definitivo foi o farol central ficou associado ao comportamento da direcção. As portas extendem-se até ao tejadilho, que é recortado, optimizando o acesso ao habitáculo. Foi adoptado um pára-brisas composto por vidros que não estilhaçavam e, em caso de acidente, era expelido para fora do habitáculo.
com o intuito de incrementar a protecção dos passageiros, para além dos cintos de segurança acolchoaram-se elementos estruturais e adoptaram-se manípulos interiores e espelho retrovisor específicos, em plástico. Optou-se por colocar a generalidade de comandos (nos quais o rádio se inclui) e instrumentos adossados à coluna de direcção. A aparente imagem espartana assentava em predicados estritamente ergonómicos, optimizando-se a facilidade de utilização: sem abdicar de acabamentos requintados, o supérfulo dava lugar ao essencial, que para Preston Tucker a condução em segurança. O travão de mão possuia uma chave à parte, constituindo um peculiar, mas eficaz, sistema anti-roubo.
IV: Conceitos não adoptados
O realismo de Tucker e dos seus pares acabou por abandonar algumas ideias radicais. Quer por falta de tempo para desenvolvimento, quer por inerência de custos. Do Tucker '48 Sedan não constavam jantes em magnésio, assentos rotativos, pneus sem câmara de ar, tavões de disco e a altamente conceptual transmissão directa, associada ao sistema de conversão de binário. Mas a principal perda, atrás descrita, foi o épico motor de 9.6L, aparente beco sem saída que, se solucionado, poderia ter sido um marco histórico no mundo automóvel.
Anos mais tarde, todas as mirabolantes ideias aqui elencadas - à excepção do bloco de 9.6L e da transmissão - viriam a ser implementadas no mundo automóvel, constando enquanto equipamento de série quer em gamas baixas (utilitários), quer em veículos comerciais, familiares ou de luxo: os pneumáticos sem câmara de ar globalizaram-se, o uso de magnésio em componentes automóveis é uma realidade (o caso do VW Lupo 3L é um entre muitos), os assentos rotativos são solução recorrente no mercado dos MPV, e os travões de disco ocupam, à muito, eixos traseiros de viaturas low-cost.
V. Performance, benchmark e fiabilidade
As prestações do Tucker '48 Sedan ainda hoje são boas, se se considerar um peso global de quase duas toneladas. À data, eram referenciais, humilhando as mais contemporâneas e pujantes criações dos três grandes construtores de Detroit. Um Tucker '48 Sedan, berlina familiar com espaço e conforto abundantes, era capaz de 193 km/h e de pouco mais de 10 segundos nos 0-100. Números que o colocaram no segmento dos super desportivos, "incomodando" Ferraris 166 MM (201km/h e 10.1seg. nos 0-100), Jaguares XK 120 (200 km/h e 10.0seg. nos 0-100), os mais tardios Pegaso Z102 e Allard série “J”, ou mesmo os exóticos Delahaye 235 e Gatford Gatso Roadster. Declaradamente mais rápidos, só mesmo fórmulas, protótipos desportivos como o Bristol 450, ou algumas criações posteriores, já de meados dos anos ’50. Do nada, a empresa “doméstica” de Preston Tucker conseguia aproximar-se do melhor que era produzido na Europa. E, note-se, com consumos "baixos", para o usual na época.
Constituia-se o conceito do "super saloon" - veículo familiar, com prestações de desportivo - dentro do qual hoje se encaixam colossos como toda a geração BMW M5, Lotus Omega, Alpina B-10 Biturbo, ou o Renault Safrane Biturbo. Ao Tucker '48 Sedan correspondia uma silhueta musculada e agressiva, incorporando pormenores únicos, como o são as grelhas dianteiras, as grelhagens nas cavas das rodas posteriores, o símbolo sobre o vinco do capô, os seis escapes e a traseira futurista e agressiva, por entre outros.
Diz-se que o maior teste à fiabilidade de um automóvel - nomeadamente num desportivo - é a sua longevidade, e até aqui a supremacia do Tucker '48 Sedan é avassaladora. Mesmo considerando o reduzido número de unidades produzidas e o apego mundial a elas dispensado, de 51 unidades sobrevivem… 47. Trata-se de mais de 90% da produção original apta a circular, constituindo um indicador inigualável no universo do automóvel em série. Várias foram as modificações efectuadas aos Tucker existentes, encontrando-se parcialmente descritas aqui.
VI. Marketing vs Media
Seria de esperar que o vanguardismo e a (ultra) performance do Tucker '48 implicassem um valor de mercado inacessível. Um dos grandes argumentos de Preston Tucker foi o do preço - 2.450 dólares – correspondendo a uma gama média aburguesada, abaixo do luxo assumido. Mas a pequena estrutura Tucker não se ficou por aí. A montante, foram tomadas diversas medidas de marketing, que passavam quer pela aproximação convencional aos clientes, através de anúncios televisivos e panfletos temáticos, quer pela criação de uma rede de agentes, quer sobre tudo pela transparência de revelar ao público os princípios conceptuais, as preocupações no campo da segurança passiva e os exigentes testes dinâmicos efetuados aos protótipos.
Era possível pré-comprar extras (numa excelente manobra de financiamento da marca Tucker), e foram disponibilizadas seis cores: preto, azul, verde, beige, prata e castanho.
Incrementando a já extensa divulgação, Preston Tucker "passeou" pelos Estados Unidos o seu Tucker, ainda em fase de pré-produção. Conseguiu-se, mais uma vez, amplificar o leque de futuros compradores, respondendo de forma hábil à imprensa que, de forma mentirosa, associou os problemas do "Tin Goose" à realidade do Tucker '48 Sedan.
Era possível pré-comprar extras (numa excelente manobra de financiamento da marca Tucker), e foram disponibilizadas seis cores: preto, azul, verde, beige, prata e castanho.
Incrementando a já extensa divulgação, Preston Tucker "passeou" pelos Estados Unidos o seu Tucker, ainda em fase de pré-produção. Conseguiu-se, mais uma vez, amplificar o leque de futuros compradores, respondendo de forma hábil à imprensa que, de forma mentirosa, associou os problemas do "Tin Goose" à realidade do Tucker '48 Sedan.
Uma berlina de custo acessível, familiar, de estética acutilante, confortável, segura e com prestações próximas das de um carro de pista, só podia degenerar numa explosão de encomendas. E assim sucedeu. Curiosamente, ou não, os media – que inicialmente levaram ao colo o Tucker e o seu vanguardismo – cederam às pressões da Ford, da Chrysler e da Chevrolet, que ao tomarem conhecimento dos milhares de encomendas, se uniram, não em fazer veículos decentes, mas em denegrir a genialidade de Preston Tucker e da sua criação: saía mais barato comprar contra informação, até com a "ajuda" de estruturas governamentais, do que produzir automóveis seguros e eficazes.
Os factos, documentados no longo processo judicial que absolveu Preston Tucker de dezenas de acusações infundadas, foram sobejamente explicitados no filme “Tucker, o Homem e o seu sonho”, de Francis Ford Coppola (proprietário e fã de Tuckers). Contudo, se as absurdas acusações de Preston Tucker, com base calúnias, intrigas e mentiras, falharam, foi conseguido o arresto de todos os bens da sua fábrica em Chicago, materializando-se o alvo principal dos grandes de Detroit: O irreversível assassínio da Tucker Corporation.
Os factos, documentados no longo processo judicial que absolveu Preston Tucker de dezenas de acusações infundadas, foram sobejamente explicitados no filme “Tucker, o Homem e o seu sonho”, de Francis Ford Coppola (proprietário e fã de Tuckers). Contudo, se as absurdas acusações de Preston Tucker, com base calúnias, intrigas e mentiras, falharam, foi conseguido o arresto de todos os bens da sua fábrica em Chicago, materializando-se o alvo principal dos grandes de Detroit: O irreversível assassínio da Tucker Corporation.
VII. Post mortem
Já com a certeza de que a marca e o seu ideário estavam liquidados, um punhado de colaboradores solidários com Preston Tucker incrementou a produção de 36 para as já referidas 51 unidades, transformando o Tucker ’48 Sedan” num veículo de série. Aquando da hasta pública de todo o património da empresa, matérias primas, peças, maquinaria diversa e todos os Tucker Torpedo foram desapaixonadamente vendidos.
As dívidas geradas pelo arranque do negócio e a mentira criada pela concorrência originaram um prejuízo na casa dos 17 milhões de dólares. Curiosamente, se se avaliar um Tucker '48 Sedan, nos dias de hoje, em dois milhões de dólares (dados dos últimos leilões oscilam entre um e três milhões), e se se multiplicar esse valor por 47 - número de exemplares existente - obtém-se um produto de aproximadamente 100 milhões de dólares.
É inimaginável pensar-se o que seria o mercado automóvel da actualidade, se a Tucker Corporation tivesse sido bem sucedida. Mas seguramente que a sinistralidade e a mortalidade rodoviárias norte americanas se teriam reduzido substancialmente no final da década de '40 e ao longo da década de '50. Possuir hoje um Tucker é ter-se um activo único, com tendência a valorizar-se.
VIII. Dados técnicos
Exquisite Roadrunners Blog Rating: 996.8
É inimaginável pensar-se o que seria o mercado automóvel da actualidade, se a Tucker Corporation tivesse sido bem sucedida. Mas seguramente que a sinistralidade e a mortalidade rodoviárias norte americanas se teriam reduzido substancialmente no final da década de '40 e ao longo da década de '50. Possuir hoje um Tucker é ter-se um activo único, com tendência a valorizar-se.
VIII. Dados técnicos
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